Um dos eventos mais disruptivos da década
Pensando estritamente do ponto de vista econômico, é possível contemplar que a decisão dos EUA e aliados de congelar as reservas internacionais da Rússia seja uma forte candidata a ser considerada no futuro como um dos eventos mais significativos desta década que está em curso.
A decisão deste fim de semana foi a primeira vez que o sistema monetário baseado no dólar foi utilizado como "uma arma" contra um país do G20 ("US dollar weaponization"). O evento vem ocupando a mente de diversos estrategistas globais que agora questionam se este sistema em que o dólar é a reserva de valor global está chegando ao fim.
É curioso que, do volume total de reservas internacionais acumuladas pelos bancos centrais -- um total de 12,83 trilhões de dólares --, 11 trilhões de dólares foram acumulados nos últimos 20 anos. O fato é que as desvalorizações ocorridas no México (1994/95), Ásia (1997/98), Rússia (1998), Brasil (1999) e Argentina (2001) deixaram cicatrizes e lembranças análogas a um período de "short squeeze" nos mercados. Aquele que foi espremido, não só sentiu a dor, mas jurou a si mesmo não operar mais descoberto. Dito isso, há sinais de que esta dinâmica que foi predominante nos últimos 20 anos e que muito beneficiou os EUA, a União Europeia, o Reino Unido e o Japão, está mudando!
Acima, na linha branca, o total de reservas internacionais acumulada por bancos centrais. As demais linhas indicam a alocação de tais reservas de acordo com as diversas moedas em circulação. A linha verde corresponde ao dólar, a vermelha ao euro, a azul ao iene, a roxa a libra esterlina, a marrom (mais embaixo) ao iuane.
Charlie Munger -- sócio de Warren Buffet -- é famoso por ter dito: "show me the incentives and I will show you the outcomes". (mostre-me os incentivos e eu o mostrarei as prováveis consequências). E pensando nesta famosa frase, muitos governantes estão agora pensando: será que vale a pena manter reservas internacionais? Será que vale mantê-las em dólares e em euros? Como mantê-las de forma segura?
Neste momento é possível que algum leitor resgate uma famosa pérola de Bolsonaro. Disse ele em um determinado momento: "É só você não matar, roubar, estuprar e sequestrar, que tu não vai ser preso porra!!! (sic)". Ironicamente, o líder brasileiro preferiu se manter neutro quanto à guerra Rússia-Ucrânia. Mas, alguém pode dizer que basta não invadir, roubar, ou cometer genocídio que tudo ficará bem. No entanto, em se tratando de geopolítica, poucos irão optar por uma posição de fragilidade.
Confira o vídeo da série Global Investor desta semana. Neste falo sobre possíveis erros de estimativa dos mercados, tomando como base o trabalho de Dominic Wilson, da Goldman Sachs. Confira ao clicar abaixo:
Como consequência desta disrupção é provável observarmos um declínio na demanda por reservas internacionais. Junto com isso, é provável que, daqui para frente, a volatilidade cambial fique mais elevada. Países necessitarão de uma postura mais austera e, talvez, desencorajar que empresas locais busquem financiamento externo.
Concluo este comentário apresentando um consenso entre os que vem discutindo este importante tema: a demanda por OURO é algo que tende a crescer de forma significativa como consequência deste tema aqui discutido.
Marink Martins