São as preocupações de março fechando o verão
Na verdade, elas sempre estiveram presentes. O que vimos, do dia 15/3 até o início da manhã de ontem, foi mesmo um tremendo "espreme" nos vendidos. Tal movimento, no entanto, acabou devido ao seu próprio exagero. A fala de Lael Brainard foi somente o catalisador de um processo de reversão que me parecia inevitável. Afinal, não vimos soluções para as preocupações de março.
Muito pelo contrário. Elas parecem estar se intensificando. Você já viu as taxas dos títulos especulativos associados ao mercado imobiliário chinês? Elas permanecem elevadíssimas, embutindo o risco de calote. E, por falar em mercado imobiliário, a taxa das hipotecas de 30 anos nos EUA subiu ontem para níveis superiores a 5%; algo que não acontecia há bastante tempo.
Uma pesquisa divulgada ontem na CNBC indicou que 80% dos americanos esperam por uma recessão ainda este ano. Isso é uma surpresa, pois, em tese, tanto as famílias como as empresas nos EUA estão com bastante liquidez. O consumo se mantém elevado, mas o sentimento do consumidor está se deteriorando rapidamente.
Vivemos em um mundo bastante estranho. Quando as coisas pioram não há muito para onde correr. Ontem, tanto o S&P 500 como os títulos de renda fixa sofreram de forma conjunta. Na minha interpretação, o que vimos ontem foi o mercado vendendo tudo que tinha" duration" elevado. Curiosamente, em termos percentuais, o ETF TLT (composto por treasuries com prazos > 20 anos) caiu mais do que o HYG (composto por títulos corporativos especulativos). Isso porque o TLT tem "duration" bem longo, enquanto o HYG tem "duration" de 4,5 anos.
Ao ver isso ocorrendo na renda fixa, não era de se surpreender que algo similar ocorreria na renda variável. Era uma questão de tempo para ver uma maior pressão vendedora nas ações especulativas americanas e brasileiras.
Finalizo reapresentando o texto que escrevi ontem que resumo alguns argumentos ainda pertinentes.
Marink Martins
Texto publicado ontem, 5/4/2022
- Guerra Rússia/Ucrânia: as informações mais recentes caminham na direção de uma intensificação do conflito ao invés de uma resolução conforme esperado pelo mercado no fim da semana passada.
- Na Alemanha as decisões apontam para a eliminação total da dependência energética associada à Rússia. Tudo isso é inflacionário e poderá colocar, não só a Alemanha, mas toda a zona do euro em recessão.
- Já na França, temos uma eleição no fim de semana. Ainda que Macron seja o favorito, com 80% de chance de se reeleger de acordo com o site Predict It, o segundo turno poderá deixar os mercados um pouco mais apreensivos. Não devemos esquecer que, em tempos de baixa participação do eleitorado, as pesquisas eleitorais vem se mostrando falhas. (Basta lembrar do ocorrido na votação do BREXIT em 2016).
- Hoje, Lael Brainard -- apontada como vice-chairman do FED -- nos disse que o FED está na iminência de começar o "Quantitative Tightening" (Redução no total de ativos do FED). Disse ela que tal movimento deverá começar em breve, em um ritmo acelerado. A última vez que o FED promoveu um QT foi no último trimestre de 2018 e culminou em um "mini-crash" no natal daquele ano.
- Nos EUA, a mais recente alta não contou com a participação dos bancos. Isso é um problema e mostra que o movimento foi feito por "vendidos" e pela turma do "caiu/comprou" ("buy the dip") que pensa que as "ações da insanidade" (aquelas da Cathy Wood) estão baratas simplesmente pelo fato delas terem caídos demais. Algo similar ocorre no Brasil. A Petrobras parou de subir enquanto as especulativas (aquelas que ainda não são lucrativas) dispararam.