Razões para desconfiar

09/07/2024

Compartilho abaixo uma imagem obtida em uma reportagem contida no Zero Hedge a respeito dos investimentos trilionários destinados à tecnologia conhecida como "Inteligência Artificial Generativa". Conforme especificado no título: "Nenhum aplicativo transformacional no radar".

Achei interessante o início da reportagem, pois o autor cita que não é raro o mercado se entusiasmar com uma tecnologia e, neste processo, conceder o benefício da dúvida sem uma devida diligência. Os agentes necessitam sempre de uma crença, de uma narrativa. Curiosamente, no início do texto o autor brinca antes de citar o tema "AI" com outras narrativas que tiveram um determinado impacto e se foram rapidamente: 3D TV, proteína alternativa, realidade virtual, metaverso, blockchain, e outras. Observe que todas estas outras tecnologias (narrativas) ainda estão presentes em nossas vidas. O que não está mais presente é o entusiasmo que uma vez "turbinou" a valorização das ações de empresas que estiveram à frente desses movimentos.

Está certo que nenhuma dessas narrativas mencionadas foi convincente o suficiente para fazer com que empresas planejassem destinar trilhões de dólares em "capex" (investimentos em capital fixo). Nesta busca por despertar uma certa desconfiança a respeito do tema do momento, o autor da conhecida newsletter da Goldman Sachs -- Top of Mind -- conversou com Daron Acemoglu -- famoso professor do MIT. O professor está entre os céticos e afirma que, em dez anos, a inteligência artificial deverá impactar menos de 5% das tarefas existentes. O impacto na produtividade dos EUA ao longo desta década que está por vir deverá ser de somente 0,5%. Já a contribuição ao crescimento do PIB deverá ser de somente 0,9% ao longo dos próximos 10 anos.

O fato é que mudanças estruturais levam tempo para se manifestar através dos resultados financeiros. Longe do tema "AI", muitos analistas questionam hoje sobre o porquê da balança comercial japonesa permanecer em déficit diante de uma taxa de câmbio tão depreciada frente ao dólar americano. A resposta correta a esta pergunta provavelmente reside na tese de que é necessário bastante tempo até que os contratos e toda a cadeia de suprimentos se adapte às novas condições vigentes.

Neste tema da balança comercial japonesa é interessante dizer que o Brasil desvalorizou sua moeda em janeiro de 1999, mas os efeitos na balança comercial começaram a se manifestar de forma mais clara somente em 2003.

E unindo o tema narrativa ao Brasil, vale mencionar também que, em 2008, vivemos uma espécie de "mini bolha" associada ao Pré-Sal que se manifestou através da valorização das ações da Petrobras. Após quase uma década, o Pré-Sal entregou muito mais do que o esperado. A trajetória do preço das ações da Petrobras, no entanto, foi bem errática. Ela conteve "Bezzle" (falcatruas), demora, intervenções regulatórias, e muito mais. Tudo que pode acontecer também com a narrativa da "AI".

De qualquer forma, sabe-se que o mercado adora uma narrativa transformacional; adora um "sonho". O movimento de valorização das ações das grandes empresas de tecnologia parece algo orquestrado e comandado pelos deuses do Olimpo. Quem entra na frente sofre o risco de ser punido nos moldes impostos ao esperto Sísifo -- condenado por "enganar" a morte. Como castigo, o infortunado foi obrigado a empurrar uma pedra até o topo de uma das montanhas do submundo, sendo que toda vez que estava chegando ao extremo do monte, a rocha rolava novamente ao ponto de partida, tornando, assim, o labor de Sísifo uma punição eterna.

Marink Martins

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