Não existe amor em SP / Não existe recessão em NY
Será que a pizza paulistana é melhor do que a nova iorquina? Há controvérsias... Mas, quando o assunto é dinheiro, este parece caminhar de volta para NY. Neste texto o meu objetivo é tentar transmitir uma ideia de divergência muito comum em tempos de crise, em tempos de guerra.
Sabe-se que "quando o bicho pega" o dinheiro -- aquele que nunca dorme -- corre de volta para o porto seguro (os EUA). E olhe que, nos últimos anos ele tem mesmo é ficado por lá. Está certo que nos últimos meses, ele viajou em busca de aventuras brasileiras, surfando em ondas de minério de ferro e de petróleo, mas há claros sinais de exaustão.
Ontem compartilhei por aqui comentários do analista da Gavekal, Udith Sikand, que já não morre de amores por ativos negociados em SP. Mas, e a possibilidade de recessão nos EUA? Na mídia internacional só se fala nisso. Será que os EUA sairão mais uma vez ilesos de uma crise que não só afeta a Europa, mas parece estar se agravando também na China?
Nas últimas semanas busquei enfatizar por aqui algumas vulnerabilidades associadas às decisões de políticas monetárias tomadas nos EUA. Mas, o fato é que as consequências destas tendem a se materializar em um prazo mais longo. No curto prazo, cidadãos e empresas americanas foram "blindados" pelo inusitado resgate promovido pelo duo (FED + Tesouro dos EUA) durante a pandemia. Sendo assim, os estrategistas que acompanho -- sejam eles da Gavekal, da Goldman Sachs, ou do Morgan Stanley -- atribuem baixa probabilidade de que os EUA entrem em recessão.
Isso não quer dizer que o S&P 500 não possa cair. Mike Wilson, estrategista do Morgan Stanley, continua pessimista com as ações americanas, prevendo quedas nas receitas das empresas e consequente compressão no múltiplo de P/L das ações. Já David Kostin, da Goldman Sachs, tem uma visão bem mais construtiva, prevendo uma forte retomada na economia no segundo semestre deste ano.
Na Gavekal, o que chama atenção é sua ênfase em uma forma de avaliar o mercado: o modelo Wickselliano, inspirado nos trabalhos do economista sueco Knut Wicksell. Trata-se de um modelo que compara o ROIC (Retorno sobre o capital investido das empresas) com o custo de capital das mesmas. E o que se observa no momento é que o diferencial entre estes fatores ainda é bem positivo. Isto é, as empresas ainda estão registrando retornos bem superiores aos seus respectivos custos de capital.
É verdade que, na margem, a situação vem se deteriorando (não é à toa que os índices de ações vem sofrendo). O custo de capital vem subindo não só para as empresas, mas também para as pessoas físicas. O custo de financiamento de uma hipoteca de 30 anos subiu de forma significativa, afetando negativamente o que é conhecido, em inglês, como "affordability". No entanto, a Gavekal nos chama atenção que boa parte das empresas americanas (principalmente as maiores) estão conseguindo se financiar através dos lucros gerados de sua própria atividade operacional.
Quando escrevi na semana passada um texto cujo título era -- "Uma política monetária arrogante" -- busquei dar destaque a algo que representa uma espécie de dor para todos aqueles países desenvolvidos que não usufruem deste mesmo privilégio dos EUA. A França já reclama deste privilégio imperial americano desde a época de Charles De Gaulle. Na minha opinião, os EUA abusaram. Mas, a verdade é que o "dinheiro" não está nem aí para o que eu acho. Neste momento, o "dinheiro" começa a se apaixonar pelas TSY -- treasuries dos EUA que já rendem acima de 2,10% ao ano.
Marink Martins