Louis vs Anatole
Louis Gave, à esquerda, e Anatole Kaletsky, à direita.
Na casa de pesquisa comandada por Louis GAVE e Anatole KALetsky, a GAVEKAL, há uma tensão muito construtiva entre os principais estrategistas quando o tema é a elevada inflação global que aflige o mundo ocidental. Embora haja um consenso de que a inflação nos próximos anos tende a ficar mais elevada do que a registrada nos últimos dez anos, os estrategistas divergem quanto a duração e intensidade.
Louis Gave nos diz que a inflação atual não é um "bug", resultante de problemas logísticos associados a pandemia, mas sim um "feature" (aspecto) associado a um mundo que nos últimos anos, por diversas razões, parou de investir em capacidade de produção (CAPEX). Na opinião do estrategista a escassez de semicondutores tem mais a ver com a guerra comercial instaurada por Trump do que com a pandemia. Da mesma forma, a instabilidade vista no preço dos combustíveis, seja ele a gasolina ou o gás natural, tem a ver também com decisões estratégicas tomadas por petrolíferas em um mundo que caminha em um processo de descarbonização.
No entanto, o que realmente faz com que Louis classifique a elevada inflação vista nos EUA como estrutural, ao invés de transitória, é sua percepção de que o ambiente macroeconômico está mudando de forma significativa. Dentre as mudanças, uma nova postura da China que, entre 2000 e 2016, seguiu um modelo em que visou produzir o máximo ao menor custo possível. Era um período em que a China precisava crescer seu PIB a um ritmo de 8% ao ano, buscando gerar 20 milhões de empregos por ano para absorver a mão de obra vinda do campo. Para isso, a China usou e abusou do carvão - fonte de energia considerada barata e abundante. A questão é que a China se urbanizou e está envelhecendo rápido demais. Junto a isso, sua população não tolera mais os elevados níveis de poluição associados ao uso do carvão.
Por tudo isso, aos poucos, a China vem deixando de contribuir para o cenário desinflacionário que foi dominante durante os últimos 20 anos. Sua obsessão passou a ser a DESDOLARIZAÇÃO de seu comércio externo. Com uma moeda mais forte, a China aproveita o momento para tentar corrigir diversos excessos cometidos ao longo dos últimos anos em relação aos setores de construção civil e de comércio eletrônico. De forma resumida, Louis Gave nos diz que tudo que emana da China nos últimos meses tende a ser INFLACIONÁRIO para o resto do mundo.
Para entender melhor os argumentos feitos por Louis Gave confira o mais recente MYCAP TENDÊNCIAS GLOBAIS ao clicar aqui:
Já o sócio mais experiente da GAVEKAL, Anatole Kaletsky, acredita que a inflação no ocidente tende a convergir de forma relativamente rápida para patamares mais próximos das metas estabelecidas pelos bancos centrais. Diz ele que questões demográficas e de desglobalização representam forças importantes, porém lentas, com um impacto marginal ao longo dos próximos dez anos.
Quando o assunto é o preço dos combustíveis -- uma questão central na argumentação de Louis Gave -- Kaletsky nos diz que a OPEP+ entrou em uma fase de poder monopolista determinando preço e quantidade a ser produzido para abastecer o mundo. Ele complementa que há ociosidade entre os produtores e que é mais vantajoso ao cartel manter os preços próximos a 80 dólares/barril.
A minha percepção é de que Kaletsky parece mais pragmático do que Louis Gave neste momento. Ele acredita que o "bull market" tende a continuar e que os BCs irão manter os juros reais negativos por um tempo muito mais longo do que esperado por muitos estrategistas.
Já Louis pensa que a iminente alta no custo dos combustíveis irá deixar os articuladores da política monetária em um "corner", forçando-os a promover um aperto que, caso se materialize, irá impactar negativamente as ações norte-americanas associadas a "growth" que tanto atraíram capital estrangeiro nos últimos anos.
O embate persiste. Só mesmo o tempo para nos mostrar quem está certo nesta fascinante discussão.
Marink Martins