E a Ucrânia?
A ideia no texto de hoje é compartilhar a visão de alguns estrategistas que acompanho a respeito deste tema que ocupa a mente de todos os investidores neste volátil início de 2022.
A visão de Anatole Kaletsky (AK)
No que diz respeito a possíveis impactos nos mercados, AK acredita que a questão geopolítica é mais importante do que a mudança de rota na política monetária global. Ele atribui uma maior possibilidade a uma solução pacífica, com ganhos para ambos os lados. Putin conseguiria uma garantia por parte da OTAN de que a Ucrânia não seria cooptada. Além disso, conseguiria que as atuais sanções à Rússia fossem amenizadas. Como cereja do bolo, a permissão operacional para colocar em operação o gasoduto Nord Stream 2, controlado pela empresa russa Gazprom. Já o ocidente se beneficiaria de preços de energia mais baixos, o que, neste momento, é essencial na luta contra a inflação. Além disso, é possível que Biden possa melhorar um pouco sua imagem junto aos eleitores americanos. Tal imagem ficou negativamente impactada pela saída problemática americana do Afeganistão.
A visão de Louis-Vincent Gave (LG)
Aquele que segue o trabalho de Louis Gave sabe que ele está sempre pensando no processo de desdolarização que, a cada dia, se materializa. Me tornei fã de Louis Gave em 2013/2014 quando a Gavekal acertou em cheio a respeito do colapso no preço do petróleo. Recentemente, Louis vem dando um show novamente ao prever esta alta no preço do petróleo bem antes da maioria dos estrategistas. E olhe que eu sigo o Jeffrey Curry, da Goldman Sachs, e o geólogo Arthur Berman. Feito aqui a propaganda... vamos ao seu raciocínio:
LV também atribui uma maior possibilidade a uma solução pacífica em relação ao conflito na região. No entanto, em seus comentários, ele explora a questão do valor do dólar. Sabe-se que os EUA incorrem em déficit gêmeos (fiscal e externo) gigantes. Sabe-se que, em condições normais, o dólar deveria estar mais fraco. Um conflito tenderia a contribuir para uma forte valorização do dólar e, até mesmo para um colapso do euro (como consequência de uma eventual escalada no preço do gás natural, e um "basta" vindo da Alemanha no que diz respeito a subsídios a países periféricos). Caso o dólar venha a se valorizar, sabe-se que o mundo tende a correr na direção dos "treasuries" e na direção das 15 maiores empresas do S&P 500 (novo porto seguro global).
O que é interessante na visão de LG é que, ainda que uma solução pacífica possa provocar uma queda no preço do barril do petróleo e do btu do gás natural no curto prazo, há problemas estruturais no setor energético que tendem a fazer com que o processo de saída da pandemia contribua para a continuidade no processo de valorização destas commodities.
Para finalizar...
Internamente, Biden vem cedendo ao máximo às pressões do senador do estado da West Virginia, Joe Manchin, para aprovar seu BBB ("Build Back Better"). De forma análoga, penso que Biden terá que ceder às pressões de Putin, concedendo as garantias exigidas quanto a Ucrânia/OTAN, e flexibilizando as sanções impostas em meados da década passada. Em suma, assumindo que o objetivo de todo político é se reeleger, Biden terá que manter "as torneiras" abertas, buscando satisfazer as demandas internas e externas. Dá-lhe latinização dos EUA.
Marink Martins