As 10 mudanças mais marcantes de 2020 por Louis-Vincent Gave

16/12/2020

Ao contrário de tentar prever o que irá ocorrer em 2021, Louis preferiu refletir a respeito dos eventos mais marcantes neste ano que termina. Abaixo, elenco os principais temas e faço alguns comentários associados. 


1. Uma mudança dramática na postura fiscal dos países ocidentais

Os governos ocidentais gastaram tanto ao longo deste ano que será praticamente impossível reverter esta tendência. Recentemente um analista fez um comentário extremamente pertinente:

"America's response to the coronavirus pandemic revealed something true, says Astra Taylor, co-founder of Debt Collective, a debtors' union fighting to cancel debts. "So many policies that our elected officials have long told us were impossible and impractical were eminently possible and practical all along." Evictions are avoidable; there's shelter for the homeless in government buildings; water and electricity need not be cut off for late payments; paid sick leave can be statutory for everyone; missing a mortgage payment shouldn't result in foreclosure; and debtors can be granted relief. Political action is possible; it needs will. Multi-trillion-dollar programs were mobilized quickly in this emergency, and it will be near-impossible to put that spending genie back in the bottle...".

A verdade é que -- em se tratando dos países desenvolvidos no mundo ocidental -- os governos irão gastar o dinheiro do contribuinte até não poder mais. E pior: farão isso de uma forma não muito transparente, através do uso dos bancos centrais. 

Abaixo, uma lista com os países que mais gastaram recursos durante a pandemia: 


Um outro problema importante está relacionado aos baixos níveis de estoques nos EUA. As disrupções nas cadeias de suprimentos vem contribuindo para esta situação. Não é à toa que a China vem registrando recordes em sua balança comercial apesar da recente valorização de sua moeda. 

Esse processo de reposição de estoques tende a ser inflacionário. Em algum momento no futuro, os bancos centrais enfrentarão o seguinte dilema: deixar correr a inflação e ver sua moeda perdendo valor ou elevar os juros e ver o seu mercado de "bonds" entrar em colapso. 


2. Convivendo com o MMT (Teoria Monetária Moderna - "de moderna nada tem")

Louis pergunta: Qual foi o objetivo da intervenção de aproximadamente 3 trilhões de dólares feita pelo FED?

a) Evitar uma queda no PIB americano

b) Evitar o colapso das bolsas

c) Evitar o colapso do "bond market"

O mais provável é que as três respostas sejam válidas. Contudo, é importante frisar que, em recessões ocorridas no passado, o mercado de renda fixa ("bond market") ficava forte e representava uma importante proteção ("hedge") para os demais mercados. Não é o caso desta vez. Em março deste ano, tivemos um momento de pânico nos mercados em que tanto a renda variável como a renda fixa caíram de forma conjunta (ver faixa verde no gráfico abaixo).

Há quem diga que o mercado de renda fixa ficou simplesmente grande demais. Assim, qualquer estresse neste mercado exige a presença de um comprador de última instância (o FED) para promover uma normalização. 

Este é um problema que aflige não só o FED, mas também o BCE e o Banco do Japão. Com os rendimentos associados aos seus títulos rendendo algo próximo a zero, os BCs conviverão com o dilema do cobertor curto no que diz respeito a estabilidade dos preços do títulos versus a estabilidade de sua respectiva moeda. 


3. A China altera sua trajetória

Louis nos chama atenção ao fato de que o mundo vem se comportando de forma mais parecida com os chineses (pedidos a domicílio, monitoramento através de smartphones, bancos fazendo empréstimos subsidiados, etc.) ao mesmo tempo em que a China parece alterar sua trajetória. Nesta pandemia, o governo chinês gastou bem menos do que gastou em na crise do Sars de 2003, na crise financeira de 2008 e na crise chinesa de 2015. A China está caminhando em direção oposta ao caminho percorrido por países ocidentais.

A China é a única entre os principais países a oferecer uma taxa de juros real positiva conforme podemos ver na ilustração abaixo:

Com isso, o dinheiro não para de entrar na China, contribuindo para uma forte valorização do iuane frente ao dólar. 

Diante do dilema entre proteger seu "bond market" ou sua moeda, os bancos centrais dos países ocidentais poderão -- embora aparentemente improvável neste momento -- considerar implementar controle de capitais para evitar que o dinheiro caminhe do ocidente para o oriente. Após tudo que vimos neste ano de 2020, quem vai dizer que algo é impossível?


4. Uma nova política monetária chinesa

Foi-se o tempo em que os chineses desejavam uma moeda mais fraca. Nos últimos 6 meses a moeda chinesa teve o seu maior ciclo de valorização da sua história. 

Louis nos diz que, no começo de sua carreira, o mais importante era observar a moeda japonesa como um indicador da saúde econômica do mundo. Hoje esse papel é cada vez mais desempenhado pelo iuane. 

Conforme podemos ver no gráfico abaixo, em momentos em que o iuane se mostra forte, o preço do petróleo tende a se valorizar. 

Da mesma forma, os "value stocks" também tendem a se valorizar em momentos em que a moeda chinesa exibe força, conforme podemos observar abaixo:

Aos poucos as moedas asiáticas e de outros mercados emergentes -- como o Brasil -- começam a exibir uma maior correlação com a moeda chinesa do que com o dólar americano. 


5. Uma parada no processo de globalização

Nos últimos 20 anos testemunhamos a formação de empresas de plataformas -- aquelas focadas em design, vendas e terceirização da produção. A Apple é um dos melhores exemplos desta geração, desenvolvendo seus produtos na Califórnia e terceirizando a sua produção através da empresa chinesa Foxcom. Neste mundo tais empresas necessitam de uma cadeia de suprimentos extremamente conectada. 

Contudo, o que estamos observando é uma espécie de ruptura. Começamos a ver um mundo -- conforme descrito no livro Clash of Empires -- dividido em três zonas monetárias (USD, Euro, RMB), três capitais financeiras ( Nova York, Londres, Hong Kong), três "bond markets" ( treasuries, bunds e chines government bonds), e cada um com sua cadeia de suprimentos. 

Para entender melhor esta ruptura, segue um comentário feito pelo analista da Gavekal, Dan Wang:

"Chinese companies shudder at the thought of suffering the same fate as Huawei, which at a stroke found that it could not procure many of the components it needed to make its products. That has shown Chinese companies in all industries that reliance on US supply is a potential risk... Because the US government has introduced the possibility that supplies might be cut off at any time, Chinese firms are starting to look more at US competitors, in China as well as the rest of Asia. One sales manager at a US chemicals company confessed anxiety about this trend, as the high quality of its products is no longer a guarantee that customers won't switch to another vendor." 

Em suma, Louis nos diz que um mundo que se preocupa mais com a segurança do fornecimento do que com os preços é um mundo que tende a registrar baixa produtividade e preços mais elevados. 


6. Taiwan é a nova fonte de tensão entre os impérios

Curiosamente, o valor de mercado das empresas produtoras de chips passou o valor de mercado das empresas produtoras de petróleo. A mensagem do mercado é clara: os chips são as commodities do futuro enquanto o petróleo é a commodity do passado.

A verdade é que tudo mudou em julho deste ano quando a Intel informou ao mercado não ser capaz de entregar chips de 7 nanômetros antes de 2023. Enquanto isso, a empresa Taiwan Semiconductor Manufacturing Corporation (TSMC) que já produz tais chips, avisou ao mercado que irá produzir em massa, a partir de 2022, chips de 3 nanômetros. Com o anúncio, o preço das ações da TSMC dobrou enquanto o preço das ações da Intel caiu 25%.

Sendo assim, nesta batalha tecnológica entre EUA e China, os americanos estão perdendo competitividade justamente para uma empresa taiwanesa. 

Taiwan tem sido um ponto de tensão entre os EUA e a China desde os anos 70. Recentemente, os EUA anunciaram que venderão armamentos para Taiwan, o que certamente vem provocando a ira dos chineses. Além disso, os americanos querem que a empresa TSMC transfira a parte principal de sua produção de chips para os EUA. O mesmo tipo de pressão está sendo feito junto aos sul coreanos para que eles formem uma parceria com os EUA. 

Enquanto isso, a China intensifica o seu processo de produção de chips em seu próprio território. Entende-se que isso passou a ser uma questão de segurança nacional. 

Paralelamente, a China também intensifica seus investimentos em defesa. Há uma forte correlação entre investimentos em defesa e desenvolvimento tecnológico. Assim, a retórica de que existe somente uma única China e que Taiwan é um território rebelde persistirá. 


7. Hong Kong e a frente financeira

A outra frente de batalha na guerra entre EUA e China diz respeito ao acesso a capital. Hong Kong se apresenta como a alternativa chinesa para levantar recursos e internacionalizar sua moeda, uma vez que o acesso a Nova York está cada vez mais restrito. 

Fazer com que seus parceiros passem a usar a moeda chinesa como moeda de reserva não é uma tarefa fácil. Para que países abandonem o dólar, a moeda substituta não tem que ser somente melhor. Tem que ser muito melhor. 

Neste sentido, Louis nos trás uma analogia muito interessante ao comparar uma eventual mudança cambial com a perda de fatia de mercado da Microsoft em relação a Apple no que diz respeito ao mercado de sistemas operacionais. A Apple foi comendo pelas beiradas, e ao lançar o Iphone em 2008, a Apple conseguiu se tornar uma empresa dominante sem sequer ter o domínio do mercado corporativo americano. 

Louis argumenta que o dólar é a Microsoft das moedas globais. Diz que ele que a moeda chinesa é a Apple na medida em que a China busca desenvolver uma maior aceitação de sua moeda através de seu projeto Belt & Road. A China vem atuando em mercados de nicho como Myanmar (Birmânia), Sri Lanka e Paquistão -- assim como fez a Apple. 

Para o Louis não há outra alternativa a China. O país terá que seguir o caminho de nicho desenvolvido pela Apple e buscar fazer com que países asiáticos aceitem a sua moeda como reserva global. Assim como a Apple diante da Microsoft, a China deverá escolher um caminho em que não confronte diretamente o domínio da moeda americana. Esse processo terá que ser feito pelas "beiradas". Neste sentido, o renminbi digital e o maior domínio do partido comunista chinês sob empresas como Alipay e Wepay, representam um caminho para fazer com que consumidores chineses e de outros países possam fazer transferências e pagamentos sem utilizar o sistema americano SWIFT. 


8. As transformações no setor de energia

Chegamos a era da energia limpa, da energia alternativa. Embora as empresas que fazem uso de combustíveis fósseis ofereçam uma energia mais barata, podemos ver através do gráfico abaixo, que o mercado expressa sua preferência de forma clara:


Os gastos em energia limpa tendem a crescer de forma exponencial por algumas razões, sendo que uma delas, representa uma lógica perversa: quanto mais fraca for a atividade econômica, menores serão os juros e mais os governos gastarão para reacelerar a economia. Gastar com iniciativas "limpas" é fácil e contribui para boa imagem de políticos -- mesmo que, no fim, tais gastos resultem em menores níveis de produtividade para a economia. 

Assim, os investimentos em energia limpa ("green tech") passaram a representar uma espécie de proteção no mundo dos investimentos; passaram a exibir características de anti-fragilidade. Com isso, empresas tradicionais, como Chevron e Exxom, foram forçadas a reduzir seus investimentos em nome da preservação de capital e sobrevivência. Tal redução deverá impactar negativamente a produção norte-americana, com impactos também negativos na balança comercial do país. Algo que tende a ser ainda mais negativo para o dólar. 


9. Uma ruptura europeia

Recentemente, observou-se que alguns países do leste europeu (Hungria, Polônia, República Tcheca e Eslováquia) foram contra a aprovação do "recovery fund" europeu. De forma resumida, o euro continua com seus problemas estruturais apesar da recente apreciação frente ao dólar. 

Na opinião de Louis, é grande o grau de vulnerabilidade da moeda europeia. Basta um resultado adverso em uma eleição francesa (em 2022) ou italiana (em 2023) para que o mercado volte a questionar a existência do euro. 


10. O silencioso Bull Market japonês

A verdade é que a bolsa japonesa (excluindo os bancos) teve uma ótima última década. 

 

Marink










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